terça-feira, 6 de novembro de 2012

Aprofundando temas do debate / documento 2: Contrato com a Alert: compra pela Fiocruz de um software sem licitação por R$ 365 milhões


Colegas da Fiocruz, 
Durante o debate da Asfoc em 31 de outubro, uma pergunta feita aos dois candidatos silenciou a plateia. O Congresso Interno, em 2002, deliberou que a Fiocruz deveria priorizar o desenvolvimento de sistemas de informação em software livre. Mas, em 2011, a atual Presidência decidiu comprar, sem licitação e no valor de R$ 365 milhões, um software para prontuário eletrônico. A pergunta foi: a presidência da Fiocruz é ou não obrigada a cumprir com as deliberações do Congresso Interno?
Não me cabia prestar contas sobre essa decisão da atual Presidência. Portanto, respondi no debate sobre o que faria se estivesse na função de presidente. Eu já havia sido questionada sobre o tema em debates com trabalhadores de diversas Unidades. Trago abaixo mais esclarecimentos e a opinião do coletivo de nossa campanha sobre o episódio. Trazido novamente à tona, o tema expõe problemas que temos ressaltado ao longo da campanha: falta de transparência, falta de encaminhamento das deliberações do Congresso Interno, descuido com o processo democrático da Fiocruz. Precisamos de mais participação, mais aprofundamento do debate e mais transparência, componentes essenciais da democracia.
Obrigada aos trabalhadores da Fiocruz que participam desse debate tão importante para nossa instituição e com isso nos motivam a enfrentar o grande desafio de seguir em frente nessa caminhada para a construção de uma gestão efetivamente participativa.
Vamos juntos no caminho da mudança!
A falta de transparência, falta de encaminhamento das deliberações do Congresso Interno
e descuido com o processo democrático da Fiocruz na compra sem licitação
pela atual Presidência da Fiocruz de um software por R$ 365 milhões
A denúncia da compra do software foi feita pelo jornal Folha de São Paulo em 24 de agosto de 2011 e gerou repercussão negativa para a Fiocruz na grande mídia (O Globo, Correio Braziliense, Folha de Pernambuco), em blogs de jornalistas e sindicatos e entre os especialistas em informática na Saúde.



Segundo o Diário Oficial da União de 8 de agosto de 2011, a Fiocruz estaria investindo R$ 364,99 milhões em um contrato dispensado de licitação para aquisição de software da empresa ALERT. Este montante incluía R$ 155 milhões referentes às necessidades internas da Fiocruz para os prontuários eletrônicos das Unidades e Serviços de Assistência e R$ 209,9 milhões referentes a necessidades do SUS (não estava claro se o recurso era destinado ao cartão SUS).
Logo após a denúncia, ocorreu nos dias 25 e 26 de agosto uma reunião do CD Fiocruz. O tema não estava incluído na pauta, destinada prioritariamente à política de RH, além da proposta de CRB e aos informes da agenda da presidência. Eu estava presente à reunião, cumprindo minha obrigação como conselheira, e nada sabia até aquele momento sobre a questão. Tomei conhecimento do fato a partir do relato do próprio Presidente ao Conselho, ao final da reunião. Perplexa e superficialmente informada, reiterei, como os demais conselheiros, a confiança na honestidade e idoneidade da Presidência. O CD solicitou a elaboração de nota pública para esclarecimento à sociedade. Na Ata Executiva do CD Fiocruz desta data, não consta nenhuma linha sobre o assunto.
Em 26 de agosto de 2011, a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde divulgou carta ao Ministério da Saúde com pedido de esclarecimento. O dia de maior repercussão foi 28 de agosto, com a publicação de uma nota do colunista Elio Gaspari, do jornal O Globo. Em 29 de agosto de 2011, a Fiocruz suspendeu a compra, por recomendação da Auditoria Interna, notícia antecipada pela mídia em 31 de agosto. A nota institucional no Portal Fiocruz data de 13 de setembro.
Mesmo após a suspensão da compra, no documento de 10 de outubro de 2011 divulgado no CD-Fiocruz, sobre o orçamento Fiocruz para 2012 (mais de um ano depois), está explicitado o valor de R$ 116 milhões para o “cartão SUS”, valor 4 a 10 vezes superior ao orçamento da maioria das Unidades Técnico-Científicas da Fiocruz, reproduzido na intranet da Diplan (Diretoria de Planejamento) no quadro de detalhamento de despesas da PLOA Fiocruz 2012 (Projeto de Lei Orçamentária Anual Fiocruz). O software da ALERT está sendo adaptado pelos profissionais da Fiocruz para implantação e uso no IFF, ENSP e IPEC. Ao final, seguem os links que comprovam essa sequência de fatos.
Parecia que o tema tinha morrido, saído da agenda, até retornar agora no debate eleitoral. Por quê?
O tema reapareceu na pauta eleitoral porque reabre questões essenciais: a) a questão da centralização do poder decisório x gestão participativa, especialmente em temas estratégicos que expõem a imagem da Instituição; b) as atribuições da Fiocruz e sua relação com as outras instâncias de governo; c) a Política de Software Livre e as regras para compras de software proprietário pelo governo; d) o bom uso dos recursos públicos x o volume de recursos envolvidos em uma dispensa de licitação; e) as parcerias da Fiocruz para desenvolvimento de Tecnologias de Informação e a construção de competências internas.
É claro que este é um tema que precisa de esclarecimento no momento da campanha eleitoral, pois expressa o modo de condução, o fazer da atual Presidência, que quer ser eleita para mais 4 anos na gestão da Fiocruz. Afinal, a decisão de compra deste software foi contra uma política de governo, foi contra uma decisão do Congresso Interno, não levou em consideração os especialistas da área na Fiocruz, não foi debatida profundamente no CD Fiocruz e envolveu um processo não recomendado pela Auditoria Interna
Diante das questões colocadas, trazemos as seguintes reflexões:
1-     Por que a atual Presidência não respeitou suas instâncias deliberativas, e deixou de trazer para o debate a necessidade da aquisição de um software para o prontuário eletrônico? Diversas Unidades, em especial o ICICT e a ENSP, têm apoiado fortemente a Política de Software Livre desde, pelo menos, o ano de 2004, realizando debates sobre o assunto, utilizando software livre em programas de ensino à distância e para análise de dados. Se esta já é uma prática na instituição, por que os profissionais destas e de outras Unidades não foram consultados?

2-     O DATASUS é a instituição responsável por desenvolver aplicativos a serem implantados no SUS em todo o Brasil. Deveria ser, portanto, responsável pela identificação do melhor software, caso não tivesse possibilidade de desenvolvê-lo, bem como assumir sua implantação e dar suporte ao sistema informatizado em nível nacional. Por que a compra não foi feita pelo DATASUS, tendo a Fiocruz como potencial usuária? Defendemos o alinhamento da Fiocruz com o Governo brasileiro, nas esferas federal, estadual e municipal, com autonomia de funções, e papel formulador, avaliador e propositor de políticas públicas. O papel de executor deve restringir-se apenas ao que se configura a missão da Fiocruz: pesquisa, educação, produção, serviços de referência e de controle de qualidade, informação e comunicação.

3-     O Governo Federal orienta as instituições públicas a adotar preferencialmente os softwares livres, de acordo com a Instrução Normativa 04 da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, em vigor desde janeiro de 2009. A diretriz do governo determina que os gestores do serviço público federal investiguem a existência de um programa livre que atenda às demandas antes de recorrer à compra de produtos de informática. A política de incentivo ao software livre busca, além da vantagem econômica, o aspecto colaborativo, que gera controle social sobre seu desenvolvimento. E o Congresso Interno da Fiocruz em 2002 já havia deliberado em apoio à prática estimulada pelo governo. O procedimento adotado pela atual Presidência da Fiocruz não foi adequado às recomendações do governo e do Congresso Interno. Por que não houve, mais uma vez, consulta às instâncias deliberativas da Fiocruz?
4-     Qualquer investimento de alto vulto deve ter apoio da maioria das Unidades, para não causar a perplexidade e a iniquidade na aplicação dos recursos institucionais. O episódio expõe a fragilidade da gestão participativa na Fiocruz: quem decide o quê, para quê, com base em quê, e como. Defendemos a gestão democrática de fato.

5-     A transparência e a eficiência na gestão precisam andar juntas. Se existia uma justificativa que dava respaldo à decisão de fazer a compra do software, sem licitação, por que a atual Presidência da Fiocruz teve de voltar atrás em sua decisão?

6-     A relação da atual Presidência com o CD-Fiocruz demanda atenção. Num dos encontros feitos em Unidades, ouvi a pergunta: Você acha que o CD-Fiocruz vem sendo passivo e omisso? E como você se sente nessa posição? O CD-Fiocruz é composto por diretores eleitos, e por vice-presidentes e diretores indicados pela Presidência. Todos estão imbuídos do espírito Fiocruz de solucionar os problemas, e não são passivos e nem omissos. Falam, criticam, propõem, se posicionam. Viajam para reforçar negociações da Presidência e da Asfoc em Brasília. Mas é a condução do processo que deixa a desejar, sem transparência, sem foco, com uma agenda hipertrofiada como é a agenda da atual Presidência. O problema está na atual Presidência e não no CD-Fiocruz. Propomos transparência para os debates do CD-Fiocruz, transmissão via internet. Informe à comunidade sobre o acesso às atas. Gravação em vídeo e disponibilização ao público.
Há que haver transparência completa na aplicação dos recursos institucionais e em todos os processos de transferência de tecnologia, para que os interesses das partes envolvidas sejam compatíveis com os interesses públicos, o compromisso social e a eficiência e eficácia gerencial da Fiocruz, cláusulas pétreas a serem defendidas e consolidadas. As instâncias democráticas têm que ser respeitadas e fortalecidas.
Por isso lutamos por mais participação, mais transparência e mais integração!
Renovação já! Gestão democrática de fato!